História

PEQUENA CRÔNICA DA HISTÓRIA DE VIGIA DE NAZARÉ

Uma advertência ao caro internauta: o que se segue é uma crônica sobre fatos da história da Vigia. Não se trata de dissertação acadêmica; trabalho de historiador. É despretensiosa contribuição para a crônica histórica do município; são pequenas pistas para, mais adiante, se fazer pesquisas, se editar livros e monografias sobre ocorrências do passado.

Considera-se que Vigia é um lugar primevo da ocupação da Amazônia pelos portugueses, no início do século XVII. É como se o território fosse uma “antessala” da conquista amazônica pelos portugueses –  a despeito da presença de outros europeus, antes dos portugueses.

Objeto de uma polêmica, a fundação de Vigia –  que já no final dos seiscentos tinha a categoria de Vila, e se chamava “Nazaré da Vigia”,  uma referência à devoção nazarena – é atribuída aos portugueses que fundaram Belém. O tema da fundação do lugar suscita discussão permanente: sai do imaginário popular para alcançar a academia, formando uma massa de dados e fatos que se incorpora ao contexto cultural do hoje município de Vigia de Nazaré.

A narrativa popular sobre a fundação baseia-se na lógica geográfica constante de farta literatura sobre a conquista da Amazônia pelo Império Português. A mesma lógica presente – ainda que en passant – também nas narrativas de festejados viajantes europeus, que antes de chegarem à Baía do Guajará passaram pelo território vigiense.

Incumbido de executar um plano de expansão do império português no norte do Brasil, Francisco Caldeira Castelo Branco veio fundar Belém do Pará – a Feliz Lusitânia – em 1616. Não foi o primeiro que chegou às  terras mais a oeste da região; aqui já se faziam presentes holandeses, franceses, espanhóis. A missão, pois, era ocupar o território para mitigar a presença de outros europeus.

Naturalistas, Henry Walter Bates e Alfred  Russel Wallace;  Johann Baptist von Spix (zoólogo)  e Carl Friedrich Martius (o botânico), chegaram a Amazônia  nas primeiras décadas do século XIX, deixaram breves, porém significativos registros de passagens pela Vigia no trajeto para a capital. Fizeram  o mesmo caminho que Castelo Branco teria percorrido antes de fundar Belém, na foz do Rio Guamá, tendo vindo costeando, desde São Luiz do Maranhão, sempre seguindo para o oeste em busca de um lugar seguro para instalar  seu forte militar.

Conclui a narrativa popular da Vigia – notadamente inspirada pela historiografia disponível, sobretudo “Motins Políticos” (Domingos Antônio Raiol, o Barão de Guajará) – que a missão militar portuguesa  saiu  da capital maranhense no Dia de Natal de 1615 e  instalou um posto militar na aldeia tupinambá dos índios Uruitá, no furo que interliga as Baías do Marajó e do Sol, dando origem à Vila da Vigia menos de um século depois.

Dessa “vigia”, que controlava o tráfego na Baía do Marajó, nasceu uma povoação depois que o  colonizador português Jorge D’Alemó, em 1652, ganhou do imperador D. João  IV (segundo o historiador vigiense Paulo Cordeiro) uma sesmaria onde mais adiante se fez a vila, nomeada município em 1854. “Vigia”  teria sido  denominação cunhada pelo próprio Alemó, reproduzindo o nome de uma localidade portuguesa.

Há lacunas dessa história por esclarecer.

No livro “Fundação de Belém do Pará – Jornada de Francisco Caldeira de Castelo Branco” (2004 – Senado Federal), Ribeiro do Amaral diz que a história de Belém – por consequência a da Vigia – é lacunosa, sendo “escassas, apagadas e, sobretudo, muitíssimo incompletas, são as notícias da jornada de Francisco Caldeira Castelo Branco”.

A despeito de não haver prova documental de que a missão de Castelo Branco passou pela aldeia  Uruitá, dos Tupinambá, a sudeste da ilha do Marajó, dias antes de fundar Belém, Vigia festeja sua fundação a seis de janeiro, desde meados da década dos anos 1970, quando o então prefeito, José Ildone Favacho Soeiro, decidiu oficializar a data comemorativa.

A polêmica sobre a fundação encontra abrigo em duas escolas da ciência histórica: de um lado, a “História Política”, que requer prova documental dos fatos (linha científica fundada no princípio da necessidade de documentos escritos, para que os fatos sejam considerados como História); de outro,  a “História do Desenvolvimento Social”, que à luz de determinado fato, tido como verdadeiro, consolida na memória de uma comunidade o acontecido. Foi neste último princípio que se firmou a convicção histórica da fundação de Vigia de Nazaré  antes da capital. Importa aos vigienses a necessidade de estudos mais acurados, diante da inquestionável relevância de Vigia na consolidação da conquista da Amazônia pelos portugueses.

E nesse cenário vamos encontrar os jesuítas, no século XVIII, construindo, às margens do Taubapará (hoje “Furo da Laura”), uma portentosa igreja, de arquitetura única no Norte do Brasil (quiçá de toda a América), hoje sede original da devoção nazarena no Pará.

Antes de surgir o templo, o capítulo dos jesuítas se dá no campo da educação e da cultura – a marca registrada da Companhia de Jesus, cujo monograma ainda hoje reluz no pórtico da Igreja Matriz. A data do início da obra da Igreja, consagrada à Mãe de Deus, carece de maior averiguação, apesar de Antônio Baena, na famosa obra “Ensaio Corográfico da Província do Grão Pará”, registrar que as primeiras pedras do alicerce da igreja foram lançadas em 1702.

Os  missionários inacianos desenharam na Vigia um capítulo portentoso da Companhia de Jesus na Amazônia. Se no outro lado da Baía do Marajó, Joanes foi demarcada como  sede da missão no arquipélago, Vigia, no continente, ao sul da baía, ocupou papel idêntico no litoral do Pará, a chamada Região do Salgado.

Não restam questionamentos de que o Colégio e a igreja da Companhia de Jesus, na Vigia, criado na década de 1732, fizeram parte de uma estratégia de poder político e militar do Império Português na Amazônia Oriental. Na vila, os missionários  lançaram as sementes de uma cultura invulgar no interior do Pará, que mais de dois séculos depois formou uma elite admirável de intelectuais,  integrada por historiadores, educadores, jornalistas, escritores, políticos.

No século XIX, Vigia haveria de ocupar um papel relevante na historiografia paraense, ainda que, no período da Revolta dos Cabanos, tenha sido palco de dois ataques, um em maio e outro a 23 de julho de 1835 – este mais sangrento, quando os cabanos mataram as autoridades locais e os portugueses, em massacre violento, que fez o governo reagir e reconquistar a capital e a própria Vigia já no início de 1836. A mais densa narrativa que se conhece desse episódio é do vigiense Domingos Antonio Raiol, que em “Motins Políticos  “dedica páginas marcadas pela  memória infantil do filho de Pedro Raiol, um dos portugueses mortos no “Trem de Guerra”, e por documentos que a obra reproduz integralmente.

Antes, em 1822,  a presença de colonos portugueses na Vigia  seria marcada também por outro fato político relevante: a Adesão do Pará à Independência.  A vila foi uma das localidade do interior do Pará que demorou cerca de um ano para aderia à Independência do Brasil, o que só ocorreu em 31 de agosto de 1823, 15 dias depois da capital.  Foi um ato pacífico,  solene acontecimento político no Paço Municipal,  com festa popular.

É essa história que a Secretaria de Cultura do município, à luz do compromisso político do prefeito Job Júnior, tem a responsabilidade de zelar, para se criar um novo tempo da gestão da cultura local, provocando estudos; dissecando fontes; difundindo novas versões, pois a história continua!

(editado em abril de 2022)

Igreja da Mãe de Deus é um ícone da história de Vigia. Obra da Companhia de Jesus, foi construída na década de 1730 – FOTO: Will Lee Santos (colaboração)