Cabanagem e Adesão à Independência têm exposição
O Município de Vigia vai comemorar com uma exposição dois acontecimentos históricos do século XIX: a adesão da Vila de Nossa Senhora de Nazaré da Vigia à Independência, ocorrida em 31 de agosto de 1823, e a tomada da localidade pelos cabanos, em 23 de julho de 1835. O projeto contou com a consultoria do Arquivo Público do Estado.
A exposição, chamada de “Vigia – da Independência à Cabanagem”, será inaugurada dia 11 de agosto (sexta-feira), na Câmara de vereadores, cuja sede funciona no mesmo local do “Trem de Guerra”, onde os cabanos mataram autoridades e militares.
A adesão da Vigia à Independência ocorreu dezesseis dias após ter sido assinado em Belém um termo que oficializou obediência ao império brasileiro e não mais à corte portuguesa. Foi uma celebração festiva. Além
do ato solene no Paço Municipal, sede do Senado da Câmara, onde foi assinado uma declaração de fidelidade ao imperador Pedro I. Houve festa na cidade, bandas de música na rua e foguetório, e bailes nos clubes.
Uma cópia do documento original da adesão de Vigia, depositado no Instituto Histórico e Geográfico do Pará, poderá ser vista na exposição, que destacará, também, os principais acontecimentos entre 1823 e 1835, extraídos de “Motins Políticos” e de outras publicações.
A obra do historiador vigiense, publicada entre 1865 e 1890, ainda hoje é a mais importante narrativa sobre a Cabanagem, por ter sido detalhadamente documentada, fonte de várias outras publicações. Quando Antônio Raiol lançou o primeiro volume de “Motins Políticos”, ele tinha 35 anos de idade, e desde os 24 era advogado formado pela Faculdade de Direito de Recife. Um ano antes do lançamento do tomo, aos 34, ele havia sido eleito para mais um mandato de Deputado Provincial.
A TOMADA DA VIGIA
Raiol entrevistou vários personagens da Cabanagem, e a tomada de Vigia foi também detalhadamente descrita. Ele tinha apenas cinco anos de idade quando ocorreu a invasão, durante a qual o pai dele, Pedro Antônio
Raiol – português, comerciante e vereador – foi morto. Ao descrever o ataque à Vila da Vigia, o historiador carregou nos adjetivos que desqualificaram os cabanos. “Raiol tinha motivos para execrar os cabanos que executaram seu pai, quando ele tinha apenas cinco anos de idade. Seu acerto de contas não foi pessoal: foi um acerto com a história” – disse o jornalista Lúcio Flávio Pinto, num artigo do “Jornal Pessoal” publicado em setembro de 2022.
Raiol registrou as mortes no Trem de Guerra: “… simulando relações amistosas, declararam terminada a contenda, e pediram aos sitiados que, aberta a porta (do Trem), depusessem as armas e saíssem para a rua, sem receio. Tinha, decorrido apenas alguns momentos quando se ouviu gritar – fogo! E uma descarga prostou-os por terra, uns mortos, outros mutilados e semivivos a dar gemidos de dor e a implorar compaixão. Os assassinos se arremessaram como feras sobre esses desgraçados que agonizavam, e acabaram por dar-lhes barbaramente a morte!”
Foram dois dias de violência, mas as forças legalsitas só resistiram até o Trem de Guerra ser atacado na manhã do dia 23 de julho. A descrição é digna de um roteiro cinematográfico: os cabanos obrigaram o vigário a celebrar uma missa em ação de graças pela vitória, e depois continuaram a saquear casas e a matar os moradores. Quando chegou a noite da sexta-feira, 24 de julho, as ruas da Vigia “estavam desertas; só encontraram-se cadáveres em começo de putrefação. Em frente ao Trem não havia menos que sessenta corpos estendidos no chão, golpeados e disformes, apresentando um quadro horrível e contristador. Muitos haviam pelas casas, pelos quintais. Pelos caminhos, pelos portos e pelas praias.” – descreveu o Barão.
DOCUMENTOS HISTÓRICOS
Além dos recortes da literatura histórica de Raiol, serão expostos onze documentos sobre a Cabanagem em Vigia, preservados pelo Arquivo Público do Estado; e mais dois documentos encontrados nos arquivos do Cartório Raiol, de Vigia, catalogados pela Sociedade Literária Cinco de Agosto.
Uma informação a ser exposta, extraída do livro “Cabanagem – Documentos Ingleses”, de David Cleary, publicado em 2002 pela Imprensa Estado, é sobre o marinheiro Alexandre Paton, que em outubro de 1835
escapou do massacre da tripulação do navio inglês “Clio”, pilhado em Salinas. Paton foi o único sobrevivente, e por várias semanas ficou homiziado na Vigia até ser resgatado por um navio da Marinha da Inglaterra.
Outra curiosidade a ser conferida na exposição será uma bala de canhão, encontrada próximo à sede da Câmara de Vigia em fevereiro de 2022. Poderá ser vista ainda uma verdadeira relíquia bibliográfica: quatro volumes da edição original de “Motins Políticos”, de propriedade do jornalista Lúcio Flávio Pinto, e que pertenceram a Justo Chermont, primeiro governador republicano do Pará.
INCENTIVO À PRESERVAÇÃO
A exposição serão inaugurada no final da tarde do dia 11, e ficará aberta à visitação pública até 30 de setembro. “As exposição será um incentivo à preservação da história de dois acontecimentos importantes para a história de Vigia e do Pará. Terá o mérito de difundir as causas da Cabanagem, os fatos que se sucederam à Independência no Pará, que mantiveram os privilégios políticos e econômicos dos portugueses” – diz o jornalista Nélio Palheta, idealizador do projeto cultural.
SUBSÍDIOS PARA A HISTÓRIA
O diretor do Arquivo Público, historiador Leonardo Tori, destaca a importância da exposição para a difusão da história local. Ele disse que a exposição “será uma ótima oportunidade para a população de Vigia visualizar documentos históricos, que fazem referência à região, produzidos no período da Cabanagem”.
A exposição, na avaliação de Tori, “democratiza o acesso às informações depositadas na instituição. E contribuirá para que o APPA “demonstre o potencial desses documentos para as pesquisas históricas”.
Os materiais historiográficos expostos na Câmara estarão disponíveis na internet, e os visitantes poderão acessar por QR Cold. Toda a exposição foi produzida em Vigia, com a concepção gráfica do artista plástico e escritor vigiense Wilkler Almeida.
DISCUSSÃO ACADÊMICA
O projeto terá um programa de palestras para estudantes e uma mesa redonda com historiadores, programada para o dia 31, em Vigia. Será destinada ao público em geral interessado na história local. Na exposição montada na Câmara de Vereadores, será exibido um vídeo sobre a Cabanagem, durante todo o período da exposição.
O projeto tem a chancela da Prefeitura e da Câmara de Vigia, que financiam o projeto. E conta com o apoio da Secretaria de Estado de Cultura, por meio do Arquivo Público do Estado; do Instituto Histórico e Geográfico, e da Sociedade Literária Cinco de Agosto, que forneceram cópias dos documentos do século XIX.