O mais antigo registro historiográfico sobre a devoção nazarena no Pará, até agora conhecido, data de 1697. E dá conta da devoção à Virgem de Nazaré em Vigia.
A pequena nota sobre a ocorrência de novenas e romarias em louvor à protetora dos navegantes portugueses, que enfrentavam a travessia do Mar Teneboroso, o Atlântico, desde muito antes do final do século XVII, está originalmente na “Crônica dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão”, obra do jesuíta alemão João Bettendorff (1627-1698), cuja primeira edição é de 1910, e a reedição, de1990, feita pelo governo do Estado.
Outra obra – “História da Companhia de Jesus no Brasil” (10 volumes), publicada em 1941, traz a mesma informação; é do também jesuíta Serafim Leite (português), que visitou Vigia em 1940. Ele se refere a um documento do padre José Ferreira que, a caminho de Maracanã, parou em Vigia, constatou a existência na então vila, da “imagem milagrosa” de Nossa Senhora de Nazaré.
Os registros dos dois cronistas da Companhia de Jesus são suficientes para se comprovar que em meados do século XVII, a devoção nazarena já era fato em Vigia.
Então, pode-se dizer que, seguramente, a Virgem de Nazaré já era venerada em Vigia, há 324. O “Círio” é apenas a denominação atual das romarias que àquela época ocorriam na vila.
Do livro de Bettendorff, extrai-se uma brevíssima crônica da situação da vila: “Segue-se para a mesma banda do Pará a Capitania de Jorge Gomes Alemó; mas, como este quebrou no negócio (de explorar as terras que o imperador lhe concedeu às margens do atual furo Guajará Mirim), por certas razões achou o Governador Gomes Freire de Andrade que a vila da Vigia, que tinha mandado fazer, estava nas terras de d’El rei; (onde) nem nunca teve aldeia e, consequentemente, nem missionário. E a tirou dele. E parece que (a vila) nunca mais se tornou pôr de pé, suposto que os moradores gozam dos bons ares do mar com seus peixes, ostras, caranguejos, e da fartura da terra, pelo mantimento que produz em abundância, estão sujeitos ao Pará (Belém)”.
Sobre a devoção nazarena, Bettendorf acrescenta: “… e o que lá tem de melhor é a Imagem Milagrosa de Nossa Senhora de Nazaré, que de todas as partes se frequenta de romeiros, que vão lá fazer romarias e novenas”.
Se Belém festeja a primazia do círio (o primeiro em 1700), é justo Vigia festejar, hoje, o pioneirismo da devoção. A lenda do achado da Santa pode ser reivindicada também por Vigia, pois aqui, antes de seguirem até Belém, paravam embarcações que vinham de Portugal. E é sabido que, além de um sacerdote, os marinheiros embarcavam imagens de Nossa Senhora de Nazaré. Antes de enfrentarem o Atlântico, os marinheiros iam à Freguesia de Nazaré para pedir bênçãos e proteção à Virgem.
Ora, haveria alguém de ter “perdido” uma imagem da padroeira; uma vez “achada”, transformou-se na fonte da forte devoção que, tanto em Vigia quanto em Belém, se renova a cada ano com a Festa do Círio.