Censura de Obras Literárias

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A HISTÓRIA DE UM RUMOROSO CASO DE CENSURA A OBRAS LITERÁRIAS, EM VIGIA

Por Nélio Palheta (*)

Em 1909, a Sociedade Literária Cinco de Agosto viveu, em Vigia de Nazaré, mais uma crise com a Igreja. E esse é o assunto de um livro do historiador Paulo Cordeiro, lançado neste sábado (18). A primeira crise aconteceu em 1773, com a chegada do novo pároco, o padre Mâncio Caetano Ribeiro, que distanciou a “Cinco de Agosto” da organização dos festejos do Círio (à época, ocorria no dia 5 de agosto). A entidade, desde sua fundação, era a organizadora da festividade nazarena da Vigia. A segunda crise veio em 1877, quando o padre nomeou uma comissão organizadora do Círio, sem a participação da sociedade literária. A terceira crise, a mais grave, ocorreu em 1909. Monsenhor Argemiro Pantoja, que visitava a Vigia por ocasião do Círio, censurou obras clássicas da literatura universal, que faziam parte do catálogo da biblioteca da “Cinco”. Com o apoio de diretores da entidade, o sacerdote identificou 90 títulos que a Igreja proibia. E assim nasceu o “Índex da Vigia”. O autor “mais prejudicado” – diga-se – foi o português Camilo Castelo Branco, autor de clássicos. Não escaparam autores de renome universal, como Victor Hugo, Alexandre Dumas; Guerra Junqueiro. O brasileiro Coelho Neto não ficou incólume à censura do sacerdote e seus asseclas da Cinco. Entre as obras de maior projeção, figuraram na lista:

“Os miseráveis” e “Haby Bibl” (Victor Hugo), “O Conde de Monte Cristo” (Alexandre Dumas), “Rosa de Granada” (Jeam Rameau), “Memórias do Cárcere”, “Anathema”, “As Virtudes Antigas”, “Coisas Espantosas” (Camilo Castelo Branco), “Fruto Proibido” (Coelho Neto), “Padre, Médico e Juiz” (Julio Cezar Leal). “A velhice do Padre Eterno” – Guerra Junqueiro.

Uma curiosidade pertinente: não consta da lista, entre os livros de Camilo Castelo Branco, o clássico “Amor de Perdição”. Não era qualquer obra que o padre queria impedir de se ler em Vigia, no início do século XX. Houve assembleia, debates na imprensa local; notícias no Jornal Folha do Norte. Polêmica boa animando as searas da cultural, religiosa e política da Vigia, o episódio acabou na justiça local. E os sócios da Cinco, que se rebelaram contra o monsenhor Argemiro, ganharam a causa. A rigor, eles defendiam a liberdade de acesso à literatura, enfim, sem a tutela da Igreja. Os documentos sobre esse caso estão preservados na Cinco de Agosto. E também, os autos do processo judicial que impediu a censura dos livros.

Essa história consta da dissertação acadêmica do historiador Igo Soeiro, atual presidente da sociedade literária, que continua pesquisando sobre a história da Cinco de Agosto, para sua tese de doutor. O caso rumoroso é tratado também por Paulo Cordeiro, que neste sábado lança o livro “Obras literárias condenadas da Sociedade Literária Cinco de Agosto”. O evento será na loja Folhas da Manu (Trav. da Pedreira, 245 – Arapiranga), às cinco da tarde.

(*) O autor é jornalista, escritor e atual Secretário de Cultura de Vigia

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