O Clube Musical 31 de Agosto completa 145 anos de fundação neste dia 31. Importante para a cultura vigiense, a banda é motivo de orgulho da Vigia. E lembra acontecimento político relevante da história do Pará: a Adesão à Independência do Brasil, que na Vigia ocorreu quase um ano depois do Grito do Ipiranga.
E qual a conexão daqueles acontecimentos com a festejada banda de música fundada em 1876? Certamente, a sociedade local – músicos, políticos e outros agentes culturais da época idealizaram, mais de meio século depois da Adesão, homenagear o imperador (derrubado pela República 13 anos depois da criação da banda), relembrando o 31 de agosto de 1823, quando a então Vila de Vigia de Nazaré também rompeu os vínculos com Lisboa.
O relato daquele episódio no Paço Municipal precisa ser preservado, sendo história na veia cultural de Vigia.
A ata daquele evento de 31 de agosto está em Belém, arquivada no Instituto Histórico e Geográfico do Pará. O documento registra a chagada do procurador da Câmara, Martinho dos Santos Mendes, que trazia da capital ordem para a celebração da “aclamação de sua Majestade Imperial”. Teria o procurador participado do ato de 15 de agosto, na capital? O documento não informa.
“Foi grata notícia (…), aplaudida e recebida com maior entusiasmo e alvoroço”. Os preparativos para a cerimônia na Câmara do Senado começaram logo: “homens e senhoras, de galas e enfeites os mais luzidos”, se prepararam “para darem ao público testemunho de prazer que seus corações sentiam por tão feliz acontecimento”.
Já no dia 24, a Vigia estava engalanada, preparando-se para a solenidade do dia 31, afinal, “o povo desta vila, já anteriormente ansioso, esperava ter ocasião (de) demonstrar os sentimentos de lealdade e adesão a Sua Majestade imperial”.
A ata descreve que a frente do Paço foi decorada com “arcos triunfais”. Especialmente “as senhoras, que com diferentes modas, cada uma, manifestou o vivo prazer que sentiam”, usaram o melhor guarda roupa, exibiram joias, e chapéus. Banda de música foi para a rua e morteiros (foguetes) anunciaram a solenidade; houve bailes para celebrar a Adesão à Independência.
À frente da cerimônia, além do procurador, atuaram: Francisco Antônio Teixeira Pinto, José Cândido e Germano Antônio Ribeiro, que demonstraram “superior entusiasmo patriótico, amor e adesão” ao imperador.
Afastadas a empolgação e o ufanismo da narrativa, resta a notícia de um ato tipicamente político. Na ata, constata-se que o escrivão da comarca, João Pedroso Neves, “recitou” um discurso assinalando que a vila “celebrou a gloriosa aclamação do sereníssimo Senhor Dom Pedro de Alcântara, primeiro imperador do Brasil”. Neves não economizou nos adjetivos contra os portugueses, nomeados assim inimigos do Brasil – por defenderem, notadamente, a manutenção do vínculo da Província do Grão-Pará ao Império de Portugal.
Disse o escrivão: “O nosso belo pais emancipado, se viu livre da prepotência de uns tiranos opressores; a sua Independência foi preconizada pelos grandes políticos; correu (a independência) do Prata ao Amazonas. Contra a vontade caprichosa de uns poucos maquiavélicos que, à “aponta (SIC) de baionetas, queriam sustentar, a custa do nosso sangue, o delirante partido faccioso: o Brasil ficou livre, sacudindo o jogo de uma nova crença”.
Acrescentou que (os portugueses) não tinham “outro fim senão o egoísmo da sua carreira gloriosa (…). A Europa portuguesa desvanecida não era outra coisa senão a administradora de um pupilo já crescido e civilizado, qual o Brasil, tratado como colônia, com ludibrio aos jus naturais (…)”.
O discurso continuou radical, idolatrando o imperador e a imperatriz. Pedro I é referido como “o Senhor Nosso”. O discurso incluiu uns versos que legendava um retrato do imperador (se deduz, pelo escrito, estava exposto no local da cerimônia no Paço; se de fato existiu, não resistiu ao tempo): “Debaixo do retrato de S. Majestade se lia o seguinte verso” – de rimas um tanto parnasianas: “Correi a vista o dúplice hemisfério. / Vede onde nasce e se esvaece o dia, / Vereis à parte a Lusa Monarquia / No novo mundo a existente Monarquia”.
Constava ainda na legenda: “Eis Pedro (…). Príncipe fecundo. / O Brasil nele possui e nele impera. / O Prata e o Amazonas lhe oferece / Tributos (…) a sua esfera. / A tão grandes Monarcas são devidos / Mais que aos (…) Crenças e Augustos / Os respirantes mármores polidos / Os Arcos, as Pirâmides, os Bustos”.
E mais, finalmente, anunciava como se fosse uma carta a ser enviada ao Rio de Janeiro: “Excelso Imperador, chegou o dia em que o povo vigiense vos aclama”.
Pelo nome que se deu à banda musical, 54 anos depois daquela celebração política, a fidelidade a Pedro I se prolongou pelo resto do século IX – embora Vigia tenha sido palco, em 1835, da mais autêntica revolução contra o poder imperial brasileiro: a Cabanagem. Por isso tudo, a data é duplamente comemorada neste dia 31 de agosto.
– Nélio Palheta é jornalista e atual secretário de cultura de Vigia de
Nazaré